Proteção de bens da História do Brasil
por: Thathyana Weinfurter Assad | em: 15/11/2016
Hoje se comemora a Proclamação da República Brasileira, que ocorreu em 15 de novembro de 1889. Foi um ano, certamente, importante para a história do Brasil. Antes disso, da “descoberta”, considerada ocorrida em 1500, até a o fim período monárquico (que perdurou de 1822 a 1889), muito foi escrito em nosso “livro” histórico, bens foram produzidos, obras de arte e ofícios, que merecem especial proteção, por seu conteúdo (de acervo cultural brasileiro).
Já escrevemos, em coluna passada, sobre os “Objetos de Interesse Arqueológico ou Pré-histórico, Numismático ou Artístico”, regulamentados pela Lei Federal nº 3.924/1961, localizados nos artigos 626 e 627, do Regulamento Aduaneiro, analisando alguns aspectos no que tange ao Direito Penal Aduaneiro. No artigo de hoje, o foco é abordar aspectos do Direito Penal Aduaneiro no que concerne a obras de arte e ofícios produzidos no Brasil, até o fim do Período Monárquico.
A Constituição da República de 1988, em seu artigo 216, inciso III e § 4º, preconiza que:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: (…)
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; (…)
§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
Há algumas leis que protegem o patrimônio cultural brasileiro e, inclusive, existe uma preocupação internacional de proteção a patrimônios culturais. Com tal escopo, inclusive, foi realizada a Convenção do Patrimônio Mundial, de 1972, internalizada ao Brasil pelo Decreto nº 72.312/1973, e, também, a Convenção da UNIDROIT, sobre Bens Culturais Furtados ou Ilicitamente Exportados, concluída em 1995, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.166/1999.
Especificamente quanto a obras de artes e ofícios tradicionais, até o fim do período monárquico, a Lei Federal nº 4.845, de 19 de novembro de 1965, compilada no Regulamento Aduaneiro nos artigos 628 a 630, dispõe que:
Art.1º – Fica proibida a saída do País de quaisquer obras de artes e ofícios tradicionais, produzidas no Brasil até o fim do período monárquico, abrangendo não só pinturas, desenhos, esculturas, gravuras e elementos de arquitetura, como também obra de talha, imaginária, ourivesaria, mobiliário e outras modalidades.
Art.2º – Fica igualmente proibida a saída para o estrangeiro de obras da mesma espécie oriundas de Portugal e incorporadas ao meio nacional durante os regimes colonial e imperial.
Art.3º – Fica vedada outrossim a saída de obras de pintura, escultura e artes gráficas que, embora produzidas no estrangeiro no decurso do período mencionado nos artigos antecedentes, representem personalidades brasileiras ou relacionadas com a História do Brasil, bem como paisagens e costumes do País.
Art.4º – Para fins de intercâmbio cultural e desde que se destinem a exposições temporárias, poderá ser permitida, excepcionalmente, a saída do País de algumas obras especificadas nos artigos 1º, 2º e 3º, mediante autorização expressa do órgão competente da administração federal, que mencione o prazo máximo concedido para o retorno.
Art.5º – Tentada a exportação de quaisquer obras e objetos de que trata esta Lei, serão os mesmos seqüestrados pela União ou pelo Estado em que se encontrarem, em proveito dos respectivos museus.
Art.6º – Se ocorrer dúvida sobre a identidade das obras e objetos a que se refere a presente Lei, a respectiva autenticação será feita por peritos designados pelas chefias dos serviços competentes da União, ou dos Estados se faltarem no local da ocorrência representantes dos serviços federais.
Pela análise dos dispositivos acima elencados, nota-se que há proibição de saída de mercadorias – obras de arte e ofícios tradicionais – referentes ao período anterior à proclamação da República, ou seja, até o fim do período monárquico brasileiro. A única permissão legislativa, para saída de tais obras do país, é em caráter excepcional, inclusive com data para retorno, a ser mencionada pelo órgão competente para a autorização expressa.
Portanto, há, de fato, proibição de exportação dos bens mencionados na lei acima. Afora a instância administrativa, que realizará os procedimentos de praxe, aquele que exportar mercadorias listadas nos dispositivos citados estará incorrendo em delito de contrabando (tentado ou consumado, a depender da localidade da apreensão).
Quando, por outro lado, for o caso de ter se pedido autorização expressa, caso esta ainda não tenha sido concedida, e houver a conduta de retirar a mercadorias (objeto de pedido de autorização) do país, aí a análise casuística determinará se será caso de contrabando, a depender da clandestinidade, nos termos do artigo 334-A e § 1º, inciso II, do Código Penal.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao julgar Habeas Corpus que objetivada trancar a Ação Penal de tentativa de contrabando de peças de arte sacra dos séculos XVII, XVIII e XIX, decidiu que:
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. TENTATIVA DE CONTRABANDO. PEÇAS DE ARTE SACRA DOS SÉCULOS XVII, XVIII E XIX. APREENSÃO. RELEVÂNCIA DOS BENS CONSTITUCIONALMENTE PROTEGIDOS (ART. 216, INC. III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). 1. O remédio constitucional destinado à salvaguarda da liberdade de ir e vir do indivíduo, nos termos do artigo 5º, LXVIII, não se afigura a via adequada ao deslinde de questões que demandem ampla dilação probatória. 2. Os bens apreendidos podem ser considerados, no conjunto ou parcialmente, criações científicas e artísticas. Por isso mesmo estão protegidos pelo art. 216, inc. III da Constituição Federal, além de serem tutelados pela Lei 4.845/65, que proíbe a saída do Brasil de obras de arte produzidas até o final do período monárquico, ou mesmo estrangeiras que representem personalidades brasileiras, as quais podem ser , inclusive, seqüestradas (art. 5º). 3. Impossibilidade de trancamento da ação penal em vista dos fortes os indícios de contrabando tentado, sem explicação e prova da forma de aquisição dos objetos, sendo a cidade de destino fronteiriça, tendo se apresentado desprovida de verossimilhança a tese defensiva quanto à utilização dos objetos para adorno do palco de exposição de eqüinos. 4. Ordem denegada. (TRF4, HC 2006.04.00.004416-9, SÉTIMA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, DJ 10/05/2006)
Segundo dados publicados no site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN:
O material arqueológico é, historicamente, em todo o mundo, um dos maiores alvos de roubos e furtos, com vistas principalmente ao mercado negro de tais bens localizados majoritariamente em países europeus e Estados Unidos. Também é muito comum o roubo de artefatos religiosos (principalmente imaginária, ou seja, esculturas, mas também instrumentos litúrgicos, como turíbulos, cálices, castiçais, etc.), pelo fato de, em muitos casos, estas peças possuírem elementos decorativos em ouro, prata e pedras preciosas. No entanto, com a ampliação da noção de patrimônio e a difusão da informação de que outros suportes também possuem relevância financeira para o mercado negro, outras tipologias de bens culturais móveis são também muito ameaçadas, como quadros, objetos de antiguidades, utensílios, documentos históricos e fotografias antigas, dentre outros.
Portanto, considerando a proteção legislativa dada aos bens de que hoje tratamos, a preocupação internacional com o patrimônio cultural, o interesse de mercados paralelos por tais bens, o Direito Penal Aduaneiro entra em cena quando da subsunção dos fatos às condutas descritas na Lei Federal nº 4.845/1965, ao adequarem-se ao tipo penal do contrabando (artigo 334-A, do Código Penal). Mas há quem cometa condutas assim? Pois bem:
Certa vez Tom Jobim teria dito que ‘o Brasil não é para principiantes’. O bardo como sempre tinha razão (BOTELHO, 2009, p. 16).
REFERÊNCIAS
BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.